
Eu queria acreditar que sim, que era eu. Eu queria tanto acreditar que por pouco deixava de ser eu, era outro, um outro que quase encarnava a personagem principal. Metamorfose, de um espectador pouco atento para uma personagem de um filme estrangeiro no qual encontrei francas dificuldades em acompanhar os diálogos, mas lá ia percebendo qualquer coisinha. Já andava confiante de que o que segurava na mão eram flores, afinal não passava de um saco de pipocas. Até já queria acreditar que estava em palco, gesticulando aquilo que me parecia o ideal para a cena em questão, empenhado em mostrar que conhecia a personagem e o enredo, um mundo alternativo ao meu dispor só que afinal ainda ali estava, no mesmo canto, na mesma cadeira, na escuridão de uma sala de espectáculos, a despertar com uma estranha e curta melodia que ecoava de umas quaisquer colunas de som medíocres.
Era o sinal sonoro de intervalo, tentei em segundos relembrar-me da última vez que tinha visto um filme com intervalo, não era recorrente nas últimas salas em que tinha estado.
Um ar frio tocava-me nos braços, parecia percorrer todo um trajecto iniciado nas portas do hall de entrada que servia agora de abrigo a meia dúzia de pessoas. Usufruíam de uma pausa ideal para erigir os seus cigarros, estes libertavam curiosas espirais de fumo que se cruzavam para desenhar um padrão abstracto no vazio.
Em breve o filme iria começar. Decidi passar o intervalo dentro da sala, não sentia necessidade de ir à casa de banho nem de fumar, nem tão pouco estava com as pernas dormentes, efeitos secundários normais em cadeiras pouco confortáveis. Esta pelo contrário era impecável, conseguia deslizar nela e afundar-me apenas o suficiente para me “encaixar” na perfeição. Enquanto o filme não começava, decidi entreter-me com pequenos exames e brincadeiras introspectivas, configurava nessas brincadeiras a possibilidade de construir cenários alternativos com o argumento do filme que tenho vindo a decifrar até agora. Já me começava a interrogar porquê tanto tempo de intervalo quando oiço aquela melodia gasta e de poucas notas, achei estranho o facto de só ser a segunda vez que a ouvia e já me parecia familiar. Desligam-se as luzes e ganha vida o projector. O filme iniciou agora a segunda parte.
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